Imaginem por um instante uma criança nascida na Europa na Idade Média. Se tivesse nascido numa família nobre (ou tivesse tido a sorte de ser da família real), essa criança teria sido educada por tutores exclusivos, conhecedores das artes, linguagens e ciências. Seu tutor provavelmente teria sido um homem ligado à igreja e suas aulas teriam sido fundamentadas em alfabetização, numeracia, ensino religioso, obediencia e clássicos da literatura, muitos escritos em grego e latim. Suas aulas dessas línguas clássicas teriam sido baseadas na leitura e tradução de poemas, cânticos e epopeias, por meio de exaustivas repetições combinadas com punições físicas. 

Até algumas décadas atrás, é possível  dizer que nada muito significativo mudou no ensino de idiomas. De maneira generalizada, a repetição exaustiva, a leitura e tradução de construções em um livro didático, a prática oral relevante reduzida à automatização de estruturas e até a punição física dos pupilos continuaram a existir. Mesmo na primeira metade do século XX, pode-se constatar a existência de métodos de ensino fortemente influenciados pela corrente da psicologia behaviorista, ou seja, aulas embasadas no condicionamento por meio de estímulos externos, com muita repetição e reforço. 

Por que as coisas ficaram primordialmente semelhantes durante séculos? A explicação pode estar no fato de a sociedade não entender muito bem o processo de ensino-aprendizagem. Os educadores da época não tinham noções fundamentais do funcionamento da mente e do cérebro e simplesmente replicaram métodos que foram impostos a eles. Com a revolução das ciências da cognição, psicologia e neurociência, a comunidade científica passou a questionar como uma criança aprende. De Piaget à Montessori, de Binet a Vygotsky, de Skinner a Chomsky, de Maslow a Krashen, até autores mais contemporâneos como Bandura, Dweck, Tokuhama-Espinosa e Howard-Jones, uma riqueza de descobertas sobre como aprendemos chegou à literatura especializada.

 Na últimas décadas, especificamente com o surgimento de tecnologias de neuroimagem e a elaboração de experimentos sociais, sabemos, por exemplo, que a repetição de informações recém “aprendidas” é vital para a consolidação da memória de longo prazo. No entanto, a repetição exaustiva sem critério não funciona muito bem. O que funciona melhor é a repetição espaçada. Também sabemos que o estado de intimidação causado pelo medo da punição física impede os estudantes de acessarem regiões importantes para a aprendizagem, como o córtex pré-frontal, no lobo frontal do cérebro, onde encontramos os sistemas de atenção e memória de trabalho, além da capacidade de cognição de alta ordem. 

As crianças de hoje em dia têm uma vantagem gigantesca em relação ao pupilo da Idade Média. Elas podem usufruir das contribuições do que conhecemos como a Ciência do Aprendizado, um termo amplo que diz respeito às áreas que estudam a cognição, a emoção e o comportamento humanos. Uma jovem área com um potencial enorme é a ciência da Mente, Cérebro e Educação (Mind, Brain, and Education). Sua base transdisciplinar coloca no mesmo patamar a psicologia, a neurociência e a educação.

O que toda essa revolução científica pode significar para o ensino de idiomas? Cada vez mais aprendemos sobre os processos de aquisição e aprendizado de línguas adicionais. Temos uma literatura ampla sobre os efeitos do bilinguismo no cérebro. Sabemos como diversos sistemas de memória funcionam. Entendemos melhor a fisiologia do cérebro e os mecanismos de comunicação neural por meio de descargas elétricas e liberação de neurotransmissores. Compreendemos mais e mais como o engajamento e a motivação se dão no nível do indivíduo e em grupos sociais. Temos um corpo de evidências riquíssimo que já fez e continua fazendo a diferença.

Essas novas descobertas trouxeram para o centro do processo de ensino-aprendizagem o aluno, as pedagogias construtivistas, as metodologias ativas, as estratégias metacognitivas, os programas bilíngues, a aprendizagem baseada em projetos e a promoção do bem-estar e das competências socioemocionais. E, apesar de tudo isso já ser discutido há um bom tempo, ainda estamos longe do ideal e muitas escolas continuam seguindo a cartilha conteudista, da repetição exaustiva e do medo.

Agora imaginem por um segundo uma criança nascida no século XXI. Ela tem acesso à educação de qualidade com professores treinados que respeitam suas emoções e ajudam a gerenciá-las. A criança é uma nativa digital que usa ferramentas físicas e digitais para construir projetos para melhorar o seu entorno enquanto aprende conteúdos relevantes e aplicáveis em sua vida cotidiana. Elas estão imersas num ambiente multilíngue onde podem trocar experiências com pessoas de realidades diferentes. Seus professores promovem um senso de pertencimento e incentivam o uso da criatividade para a resolução de problemas. E, por final, os gestores da escola e os professores baseiam suas práticas em evidência científica proveniente das ciências cognitivas. 

Conseguiram imaginar? Pois é, esse é o meu sonho. Eu gostaria de ver isso na realidade de cada estudante porque tudo o que eu vivi nos últimos anos me trouxe até aqui. E onde eu estou agora é um lugar de privilégio com um sentimento enorme de vontade de contribuir. Porque eu sei o tamanho do potencial de se aliar o que a Ciência do Aprendizado já produziu e vem produzindo ao ensino de modo geral e, sobretudo, ao ensino de idiomas. Por isso eu recomendo que todos nós do ecossistema escolar mergulhemos de cabeça na lagoa de conhecimento da psicologia, da neurociência e da educação. Eu acredito que esse mergulho vai nos ajudar a transformar a educação.

Não se esqueçam de checar o meu blog com reflexões sobre essas ciências e a educação e o meu perfil no Instagram, o qual uso para fazer lives e entrevistas com temáticas relacionadas.

 

Por: André Hedlund

André Hedlund is a Chevening Alumnus, MSc in Psychology of Education from the University of Bristol, and an Edify bilingual Program Mentor for SPOT Educação. He is also a representative of BRAZ-TESOL’s Mind, Brain, and Education Special Interest Group (MBE SIG) and a guest teacher in postgraduate courses on Multilingualism, Global Education, Cognition, and Neuroscience.

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